Postado em 20/maio/2016
VICTOR SÉRGIO DOS SANTOS
A Asmare, Associação dos Catadores de Papel, Papelão e Materiais Reaproveitáveis de Belo Horizonte, fundada em 1º de Maio de 1990, nos revela um caso de superação entre catadores e entidades públicas, mas tudo isso construído em 26 anos de dedicação e persistência.
Marginalizados pela sociedade, poder público e polícia, os catadores têm muita dificuldade em se estabelecerem como prestadores de serviços sociais, econômicos e ambientais. Falta de apoio, perseguição, “poluição visual das ruas”, os estereótipos negativos são recorrentes no cotidiano dos catadores. Isso se dá devido a uma construção histórica sobre a noção de lixo e resíduo e as atribuições a ele designada.
O Ministério do Trabalho e Emprego classifica e reconhece a atuação dos catadores de materiais recicláveis e reutilizáveis como profissão por meio da Classificação Brasileira de Ocupações: trabalhadores da coleta e seleção de material reciclável são os trabalhadores da coleta e seleção de material reciclável, responsáveis por coletar material reciclável e reaproveitável, vender material coletado, selecionar material coletado, preparar o material para expedição, realizar manutenção do ambiente e equipamentos de trabalho, divulgar o trabalho de reciclagem, administrar o trabalho e trabalhar com segurança.
Associado no galpão da Avenida do Contorno.
Em 1988, mergulhados em um ambiente de desamparo à prestação de seus serviços, os catadores de materiais recicláveis de Belo Horizonte são abraçados pela instituição Arquidiocese de Belo Horizonte por meio da ação “Pastoral de Rua”, que é uma equipe de leigos e religiosos sensíveis ao sofrimento das pessoas que vivem e trabalham nas ruas ao qual o objetivo é criar uma relação solidária e propiciar uma melhora do bem estar dos envolvidos. Essa parceria favoreceu a criação da ASMARE em 1990 que modificou definitivamente a vida das pessoas envolvidas e a sociedade.
R. Ituiutaba – Prado, Belo Horizonte – MG.
A ASMARE conta com a Superintendência de Limpeza Urbana de Belo Horizonte (SLU/BH), autarquia municipal responsável pela elaboração, controle e execução de programas e atividades voltados para a limpeza urbana de Belo Horizonte, e que é de sua competência, dentre outras atribuições: elaborar projetos de limpeza, coleta domiciliar e seletiva e usar de ferramentas para cumprir com o Plano Diretor de Resíduos Sólidos de Belo Horizonte; e tem como visão ser referência nacional em limpeza urbana, gestão e tratamento de resíduos sólidos até o ano 2016. Em contraposto, estudos e evidências empíricas mostram que BH retrocedeu, perdendo sua identidade de uma cidade que recicla, mas que graças às associações o cenário não está pior. Todo o material proveniente da coleta seletiva no município é destinado para as associações e cooperativas de catadores e trabalhadores com materiais recicláveis integrantes do Fórum Municipal Lixo e Cidadania de Belo Horizonte, ao qual a ASMARE é associada.
A Prefeitura de BH e a ASMARE possuem uma parceria de longa data, com a participação de 180 associados, recebendo cerca de 460 toneladas/mês de resíduo, beneficiando indiretamente 1500 pessoas. Essa parceria até 2008 poupou mais de 388.000 m² no aterro sanitário, coletando cerca de 26.000 toneladas de papel, por exemplo, sem falar no plástico e alumínio. A ASMARE está estrutura em quatro núcleos estratégicos de atuação: Núcleo de Beneficiamento de Material, Núcleo de Eventos Sustentáveis, Núcleo de Arte e o Núcleo de Cultura. Para o Núcleo de Beneficiamento de Material onde é realizada a coleta, separação, prensagem e comercialização de recicláveis a Associação conta dois galpões que são utilizados para a separação, pesagem, inspeção de qualidade dos materiais coletados e doados, um localizado na Avenida do Contorno, nº 10.555, no Barro Preto e Rua Ituiutaba, nº 460 no Prado, em Belo Horizonte – MG.
O impacto da ASMARE não se resume a destinação adequada dos resíduos sólidos coletados ou o papel social, ambiental e econômico do catador, mas também a associação mudou e muda a vida de quem necessita da atividade exercida ali para sobreviver. Dentro da ASMARE existem inúmeras histórias de superação, exemplos de vida aos quais podemos citar alguns que são casos exemplares e que enchem de orgulho os associados. Ela acolhe moradores de rua, ex-detentos e pessoas com pena alternativa para desenvolverem e auxiliarem na coleta e na triagem com o objetivo de gerar trabalho, renda e novas condições de vida. A gestão é presidida pelos próprios associados: Presidência, Janete, Vice-presidência, Geralda, Tesouraria, Edilon Joaquim e Diretoria financeira, Elaine Soares.
Maria das Graças Marçal, ou Dona Geralda, vice-presidente e coo fundadora, é um caso de superação dentro da associação. Vinda quando criança do interior mineiro para a BH em busca do sonho de melhor qualidade de vida encontra na capital mineira um cenário bem diferente do esperado. Começa aos 8 anos de idade catar papel como fonte de trabalho e renda para sustentar ela e sua mãe. Dona Geralda é referência nacional e internacional sobre o tema reciclagem de materiais. No ano de 1999 ganhou um prêmio da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) e eleita como uma das cinco mulheres do ano pela revista Cláudia no ano de 2009. Com uma vida simples, vive em um aglomerado de BH e ministra palestras sobre o tema por todo o Brasil e no exterior como no Banco Mundial, em Washington, e na Organização das Nações Unidas (ONU) em New York.
Maria das Graças Marçal, mais conhecida como dona Geralda.
Parte da trajetória dos catadores de papel da cidade de Belo Horizonte foi traduzida para o livro “Entre ruas, lembranças e palavras” publicado em 2005 e escrito por Maria Vany de Oliveira Freitas. Tratando assuntos como pobreza, cidadania e a busca pela identidade, a autora mostra o reconhecimento e a inserção social dos catadores por meio do trabalho que realizam na ASMARE.
No ano passado, 2015, a Câmara Municipal de Belo Horizonte homenageou os 25 anos da ASMARE onde 15 catadores representaram a associação que é pioneira na capital e é considerada como uma das mais importantes do país. Também estavam presentes na mesa o atual deputado estadual e secretário de Estado de Trabalho e Desenvolvimento Social André Quintão, representantes do Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis, da Rede Cataunidos, do Instituto Nenuca de Desenvolvimento Sustentável (INSEA), do Centro Mineiro de Referência em Resíduos (CMRR), e da Pastoral de Rua.
Solenidade de homenagem aos 25 anos da ASMARE (27/10/2015).
Formada por pessoas, a ASMARE tem em todos os associados um sentimento intrínseco que os identifica, une e lhes dão força. Um depoimento de um associado sintetiza toda essa história de superação individual e coletiva:- “Andávamos pelas ruas com nossos papéis guardados em caixas, contudo a polícia militar nos confundia com ladrões, sempre vasculhavam nosso material e sofríamos muito tal discriminação. Contudo, éramos trabalhadores. Éramos não, somos trabalhadores até hoje. Com a formação da ASMARE, conquistamos nosso direito enquanto cidadãos, os policiais não mexem mais conosco. Realmente minha vida melhorou cem por cento, hoje possuo meu apartamento no bairro Belmonte. A associação me ajudou muito”. (Silvester).
Referências